O projeto que prevê a divisão dos royalties do petróleo entre estados produtores e não produtores deve ser o foco das discussões na Câmara e no Senado nesta semana. Se for votada no Senado, conforme está previsto, a proposta seguirá para a Câmara. Para virar lei, terá depois de ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff.
O assunto que tanto se discute agora já foi alertado em um artigo publicado pelo Dr. Marcus Vinicius Buschmann no jornal Valor Econômico em 2009. Veja abaixo a íntegra do artigo.
Por Marcus Vinicius de Abreu e Silva Buschmann - Mestre em Direito (M.Sc) – Advogado e Consultor
Valor Econômico em 14/04/2009
Se Deus é brasileiro e o Papa é carioca, segundo palavras de João Paulo II, com certeza, a mãe-natureza também resolveu simpatizar com o Estado do Rio de Janeiro. Entretanto, esse acontecimento natural provoca um certo olho gordo dos demais entes federativos. Começa a tomar corpo a sugestão de uma alteração legislativa para o rateio dos royalties provenientes do petróleo e gás natural, para que os mesmos sejam destinados a toda nação através de fundos especiais ou outro nome que seja dado para alterar o destino dos recursos.
Inúmeras teses existem sobre a natureza jurídica do royalty. Todavia, a natureza jurídica do royalty depende do ponto de vista interpretativo dos dispositivos constitucionais que devem ter sempre uma unidade de sentido, se traduzindo em um sistema de valores. O valor que buscamos nestas breves palavras é o valor de justiça ponderada com o valor de segurança jurídica.
Os royalties são receitas públicas originárias de bens da União federal, na forma prescrita no artigo 20 da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, como bem de sua propriedade e por possuir o monopólio para pesquisa e lavra das jazidas, conforme estabelece o inciso I do artigo 177 da Constituição, a União federal pode contratar empresas estatais ou privadas, nos termos da lei, para explorar e produzir o petróleo e gás natural no país - como prevê o parágrafo 1º do mesmo artigo 177 da Constituição.
Sob esta ótica, toda a relação da União federal com as empresas estatais e privadas é estritamente contratual. Contudo, de acordo com a boa técnica interpretativa, devemos entender que a Constituição Federal não possui palavras inúteis. Além disso, sua interpretação deve ser sistemática e harmônica. Assim sendo, vale citarmos o parágrafo 1º do artigo 20 da Constituição quando informa que "é assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração".
A Constituição, portanto, define que para os demais entes federativos, o royalty é uma compensação financeira pela exploração ou uma participação no resultado. Como a legislação apenas aplica a figura da compensação, o royalty será sempre uma compensação. Se o bem a ser explorado pertence à União federal, em atividade a qual possui monopólio, qual será a natureza jurídica da compensação financeira concedida aos Estados e municípios nos termos da lei? Será uma indenização.
A Constituição definiu claramente que os Estados, o Distrito Federal e os municípios devem ser indenizados pela exploração dos recursos naturais em sua área ou proximidade, pois a atividade de exploração de petróleo e gás natural, assim como outros recursos naturais, gera inúmeros problemas estruturais nas localidades onde a exploração ocorre, assim como em suas adjacências. A atividade econômica extrativa promove o crescimento da região e, com isso, êxodo de pessoas para a nova fronteira econômica que se instaura na localidade. Além disso, a necessidade de infraestrutura, os impactos ambientais e urbanos e outros problemas fáceis de serem numerados advirão da atividade extrativa.
O constituinte originário, preservando os entes mais fracos de nosso federalismo, previu antecipadamente o que essas atividades extrativas podem causar. Assim, a compensação financeira não é tão só uma indenização presente, mas também uma indenização antecipada destinada à programação e planejamento local para a sobrevivência pós-petróleo ou pós-exploração, ou seja, posteriormente ao fim da atividade extrativa. O fato de os recursos dos royalties estarem sendo mal empregados em nada se relaciona com o direito que os municípios e Estados possuem em receber a indenização (compensação).
Vale dizer que, se há uma determinação de compensação, por óbvio se deve privilegiar a proporcionalidade e razoabilidade entre os valores recebidos e os impactos presentes e futuros decorrentes da atividade extrativa. Nada mais justo, portanto, que essa vinculação esteja estritamente relacionada à quantidade extraída no local. Assim, o royalty não se apresenta como uma receita tributária ou repartição de receita, mas sim como uma receita de origem indenizatória, que deve ser regulamentada para que sua aplicação seja voltada para a era pós-petroleo, evitando, assim, que a população da região sofra extremos impactos sociais, econômicos e ambientais com o fim da atividade.
Alterar o critério de repartição sem examinar a questão indenizatória será apregoar desproporcionalidade ao conceito constitucional de "compensação financeira". Compensação é aquilo que está proporcionalmente vinculado à agressividade da exploração. Portanto, as localidades que mais produzem petróleo e gás devem receber valores maiores. O que deve ser melhorado é a fiscalização da utilização dos recursos.
Assim sendo, qualquer modificação legislativa na atual estrutura poderá ser classificada como inconstitucional e com possibilidade de ferir o pacto federativo. Portanto, os esforços e atenções deverão ser voltados para a fiscalização da utilização dos recursos, mas nunca em diminuição da compensação financeira prevista na Constituição Federal, regulamentada por lei, beneficiada pela natureza e destinada ao povo fluminense.
Marcus Vinicius de Abreu e Silva Buschmann é advogado, consultor e sócio do escritório Buschmann & Associados - Advogados
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